sexta-feira, 24 de abril de 2020

Liberdade de expressão e discurso de ódio: Uma dissonância inconfundível; por Dalvan José


Autor: Dalvan José


Preconiza o senso comum, principalmente dos leigos do direito brasileiro, que nenhum direito é absoluto. Os que lançam mão desta narrativa se amparam na tese de que “meu direito termina onde começa o direito do outro”. De fato, há vestígios de verdade neste discurso. Basta pensar que o “maior” dos direitos (se bem que não há hierarquia de direitos) é o direito à vida. Mas este bem jurídico encontra limites nas “Excludentes de Ilicitude” ou “Normas Permissivas”, previstas no artigo 23 do Código Penal Brasileiro.


Trata-se, uma delas, da chamada Legítima Defesa, que permite que um agente cometa a conduta de ceifar, em último caso, a vida de uma pessoa, se houver indícios iminente e injusto de que esta pessoa pretende ferir ou matar o agente. Neste caso, não há que se falar em crime ou lesão ao direito à vida. Ou seja, o direito à vida é pleno, mas mesmo assim, encontra limitação na Legítima Defesa, que permite que esse direito seja interrompido ou lesado em nome de outro direito, o de quem é coagido injustamente. 

Em mais um exemplo, veja o que diz o artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal de 1988: “IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Assim, o direito à liberdade de expressão ou de manifestação do pensamento é relativamente pleno, uma vez que este não pode ser exercido de forma apócrifa, sem autoria.

Diante do exposto acima, cumpre ressaltar que é incabível o pretexto do exercício do direto à liberdade de expressão ou de pensamento para propagar e fomentar discursos de ódio contra quem quer que seja, pois os conceitos são completamente dissociáveis e, em nenhum momento, se confundem ou se convergem. Segundo Winfried Brugger (2007, p. 151) apud SCHÄFER et al. (2015), discurso de ódio é a “[...] utilização de palavras que tendem a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião ou ainda à sua potencialidade ou capacidade de instigar violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas”, (p. 20). A prerrogativa do direito à liberdade de expressar e exteriorizar o pensamento não encontra amparo em atitudes deliberadas e equivocadas de denegrir ou incitar outros  a denigrem a imagem, a integridade física, a intimidade ou qualquer outro direito dos indivíduos.

Entretanto, essas atitudes estão sendo cada vez mais praticadas e alimentadas no seio da sociedade brasileira e mundial, dadas as novas práticas políticas, baseadas na polarização entre aquele que se denomina de esquerda e aquele que se diz de direita. Nesses casos, os debates não ficam restritos ao campo da ideia, dos projetos em prol da comunidade, o fim essencial da política. Eles ultrapassam tais limites e pairam no pessoal, chegando a gerar intrigas e até inimizades mortais.

Mas o discurso de ódio em nome da liberdade de expressão não é novo e não faz vítimas somente na seara da política. Outros setores sociais, principalmente os que se encaixam como as minorias, são frequentemente vitimados sem nenhuma justa causa e não é de agora. Movimentos sociais, religiosos, políticos apartidários, de defesa da diversidade sexual, feministas, universitários e estudantis, sofrem constantemente ataques nos seus direitos de ir e vir, de expressão, de pensamento e até de consciência e crença. Tudo em nome do pretexto do exercício do direito à liberdade, defendido por quem viola os direitos do semelhante.

É como se os que fazem e propagam discursos permeados pelo ódio, preconceito, aversão ou outro tipo de intolerância, se autoproclamassem donos da razão, da moralidade ou estivessem, indubitavelmente, do lado certo e verdadeiro, sendo para estas pessoas, o único lado existente. O que pode aparentar ser o exercício do direito à liberdade de pensamento são, na realidade, práticas criminosas que podem ser perfeitamente punidas, pois estão tipificas em lei.


Portanto, pode-se proclamar que não há direito absoluto, mesmo que os direitos sejam sagrados e inafastáveis. O exercício dos direitos garantidos por lei ou pela própria natureza e condição humana podem encontrar limitações quando se deparar com o direito do outro. Mas tais limitações devem estar sempre latentes e firmes quando alguns direitos forem usados como falsa alegação para justificar condutas que ferem a honra, integridade física e a vida das pessoas. No caso do direito à liberdade de expressão e pensamento, este deve ser sempre lesado quando o usuário o exercer para ferir o direito de outro cidadão.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto - Lei nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 02/04/2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 02/04/2020.
SCHÄFER, Gilberto. LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo, SANTOS, Rodrigo Hamilton dos. Discurso de ódio. Da abordagem conceitual ao discurso parlamentar. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/52/207/ril_v52_n207_p143.pdf. Acesso em: 02/04/2020.

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