Autor: Dalvan José
Preconiza o senso
comum, principalmente dos leigos do direito brasileiro, que nenhum direito é
absoluto. Os que lançam mão desta narrativa se amparam na tese de que “meu
direito termina onde começa o direito do outro”. De fato, há vestígios de
verdade neste discurso. Basta pensar que o “maior” dos direitos (se bem que não
há hierarquia de direitos) é o direito à vida. Mas este bem jurídico encontra
limites nas “Excludentes de Ilicitude” ou “Normas Permissivas”, previstas no
artigo 23 do Código Penal Brasileiro.
Trata-se, uma delas, da chamada Legítima
Defesa, que permite que um agente cometa a conduta de ceifar, em último caso, a
vida de uma pessoa, se houver indícios iminente e injusto de que esta pessoa
pretende ferir ou matar o agente. Neste caso, não há que se falar em crime ou
lesão ao direito à vida. Ou seja, o direito à vida é pleno, mas mesmo assim, encontra
limitação na Legítima Defesa, que permite que esse direito seja interrompido ou
lesado em nome de outro direito, o de quem é coagido injustamente.
Em mais um exemplo,
veja o que diz o artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal de 1988: “IV - é
livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato”. Assim, o direito à liberdade de expressão ou de
manifestação do pensamento é relativamente pleno, uma vez que este não pode ser
exercido de forma apócrifa, sem autoria.
Diante do exposto
acima, cumpre ressaltar que é incabível o pretexto do exercício do direto à
liberdade de expressão ou de pensamento para propagar e fomentar discursos de
ódio contra quem quer que seja, pois os conceitos são completamente
dissociáveis e, em nenhum momento, se confundem ou se convergem. Segundo
Winfried Brugger (2007, p. 151) apud SCHÄFER et al. (2015), discurso de ódio é
a “[...] utilização de palavras que tendem a insultar, intimidar ou assediar
pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou
religião ou ainda à sua potencialidade ou capacidade de instigar violência,
ódio ou discriminação contra tais pessoas”, (p. 20). A prerrogativa do direito
à liberdade de expressar e exteriorizar o pensamento não encontra amparo em
atitudes deliberadas e equivocadas de denegrir ou incitar outros a denigrem a imagem, a integridade física, a
intimidade ou qualquer outro direito dos indivíduos.
Entretanto, essas
atitudes estão sendo cada vez mais praticadas e alimentadas no seio da
sociedade brasileira e mundial, dadas as novas práticas políticas, baseadas na
polarização entre aquele que se denomina de esquerda e aquele que se diz de
direita. Nesses casos, os debates não ficam restritos ao campo da ideia, dos
projetos em prol da comunidade, o fim essencial da política. Eles ultrapassam
tais limites e pairam no pessoal, chegando a gerar intrigas e até inimizades
mortais.
Mas o discurso de
ódio em nome da liberdade de expressão não é novo e não faz vítimas somente na
seara da política. Outros setores sociais, principalmente os que se encaixam
como as minorias, são frequentemente vitimados sem nenhuma justa causa e não é
de agora. Movimentos sociais, religiosos, políticos apartidários, de defesa da
diversidade sexual, feministas, universitários e estudantis, sofrem
constantemente ataques nos seus direitos de ir e vir, de expressão, de
pensamento e até de consciência e crença. Tudo em nome do pretexto do exercício
do direito à liberdade, defendido por quem viola os direitos do semelhante.
É como se os que
fazem e propagam discursos permeados pelo ódio, preconceito, aversão ou outro
tipo de intolerância, se autoproclamassem donos da razão, da moralidade ou estivessem,
indubitavelmente, do lado certo e verdadeiro, sendo para estas pessoas, o único
lado existente. O que pode aparentar ser o exercício do direito à liberdade de
pensamento são, na realidade, práticas criminosas que podem ser perfeitamente
punidas, pois estão tipificas em lei.
Portanto, pode-se
proclamar que não há direito absoluto, mesmo que os direitos sejam sagrados e
inafastáveis. O exercício dos direitos garantidos por lei ou pela própria
natureza e condição humana podem encontrar limitações quando se deparar com o
direito do outro. Mas tais limitações devem estar sempre latentes e firmes
quando alguns direitos forem usados como falsa alegação para justificar
condutas que ferem a honra, integridade física e a vida das pessoas. No caso do
direito à liberdade de expressão e pensamento, este deve ser sempre lesado
quando o usuário o exercer para ferir o direito de outro cidadão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL.
Código Penal Brasileiro. Decreto - Lei nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.
Acesso em: 02/04/2020.
BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 02/04/2020.
SCHÄFER,
Gilberto. LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo, SANTOS, Rodrigo Hamilton dos. Discurso
de ódio. Da abordagem conceitual ao discurso parlamentar. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/52/207/ril_v52_n207_p143.pdf.
Acesso em: 02/04/2020.
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