quarta-feira, 20 de março de 2019

O Brejo e a peleja de sua História; por Bruno Yacub

Capa do Dicionário Geográfico, Topográfico e
Histórico do Império do Brasil,
T.II, pág. 6, 1845, Paris, França,
escrito pelo militar J.C.R. Milliet de
Saint-Adolphe, um dos componentes
da Missão Artística Francesa,
que aportou no Rio de Janeiro a
26 de março de 1816, amparado
pelo governo de Dom João VI.
A Peleja
A exemplo do que ocorre à maioria das localidades sertanejas, a crônica do município de Brejo Santo é obscura e omissa, sobretudo no que tange ao período anterior à segunda metade do século 19, ou mais precisamente, antes de 1858.

Dois fatores vêm contribuindo para o esquecimento do seu passado histórico: a relativa escassez documental e uma tradição confusa e viciosa.

Todavia, são causas mesológicas, pois vivemos num país cujos estudiosos não são unanimes em afirmar se o mesmo foi descoberto por acaso ou de propósito.

Trata-se, em última análise, de males remotos herdados dos primeiros povoadores, cujo nível de instrução e alfabetização era pouco elevado. Ademais, faltaram aqueles o sentido positivamente colonizador da terra descoberta.

Antes dos Bandeirantes
É indiscutível que os primeiros habitantes de Brejo Santo pertenciam à numerosa tribo Cariri, que foi encontrada ocupando uma área não muito extensa, que se estendia do sul do Ceará ao centro da Bahia e do oeste de Pernambuco às quebradas orientais da Borborema.

Também é certo que outras hordas ocupavam pontos daquela área, pois viviam naquele âmbito, interpostos com os Cariris, tribos Gê, Tupi, Fulniõ, Taraririú, Caraíba e outras de origem ainda não determinada até a década de 1950 do século passado.

A presença dos Cariris no Riacho dos Porcos está comprovada com os vestígios que as populações indígenas deixaram nas terras úmidas daquele rincão. Até meados do século 19, os índios Cariris faziam incursões ao núcleo do povoamento. Este aspecto diferencia sutilmente Brejo Santo dos demais municípios da região, visto que neles a presença indígena cessou durante a Guerra dos Bárbaros, em finais do século 17. Existem registros de ataques de Cariris em 1838, e em 1845 ainda existiam aldeias na Serra do Bom Nome, próximo ao núcleo urbano.

Consoante informação contida no livro Dicionário Geográfico, Topográfico e Histórico do Império do Brasil, T.II, pág. 6, 1845, o autor, J.C.R. Milliet de Saint-Adolphe, militar francês que chegou ao Brasil em 1816, na mesma época da missão artística que trouxe o grupo de pintores como Debret e Taunay. O Dicionário Geográfico, Topográfico e Histórico do Império do Brasil é uma das primeiras obras a ultrapassar o recorte provincial e oferecer uma descrição geral e circunstanciada de todo o Império brasileiro, fornecendo um panorama do estágio de desenvolvimento de cada província, cidade, vila e aldeia do país:

“Macapá (atual Jati). Povoação de pouca importância da província do Ceará, no distrito da vila de Bom-Jardim, e 05 lagoas dela. Está exposta às incursões dos índios bravos, os quais, no ano de 1838, arruinaram-lhe os fazendeiros, e os de Carnaúba e de Pajeú.”

Sete anos após a passagem de J.C.R. Milliet de Saint-Adolphe, isto é, em 1845, o pernambucano José Francisco da Silva, por ocasião de sua primeira vinda ao então Brejo da Barbosa, deparou-se com uma aldeia de índios na serra do Bom Nome enquanto realizava uma caçada, tendo escapado da agressividade dos selvagens pela intervenção de um índio manso com o qual já havia mantido relações de amizade.

Depois das Bandeiras
Não se pode determinar a época exata do aparecimento do homem branco nas terras de Brejo Santo. Entretanto, provado como está que o Riacho dos Porcos foi o caminho dos Bandeirantes que descobriram o Cariri, movidos ou não pela cobiça da terra, o fato verificou-se depois de 1650, com a chegada dos exploradores baianos ao Cariri entre 1660 e 1680, evidenciando que, o chamado homem civilizado pisou os massapês de Brejo Santo à mesma época, logicamente antes de atingir o âmago da região caririense.

Realmente, as primeiras terras do Cariri concedidas em datas de Sesmarias, conforme documentos oficiais foram demarcadas na bacia do Riacho dos Porcos, no decênio de 1680-1690.

Eis uma lista de sesmeiros que obtiveram terras em 1688 na referida região: Bento Correia e Lima, Simão Correia e Lima, Francisco Pereira, Maria Fialho, João de Barros Pereira, Dona Júlia Fialho, José Correia Lima, Maria da Conceição Pacheco e Sebastião Pacheco.

Nenhum destes, porém, ocupou sua terra no tempo determinado. Novos pedidos foram feitos em 1703, quando se efetivou as posses das Datas cedidas. Assim, ocorreu com os capitães Bento Correia Lima e João Dantas Aranha, cujas datas de Sesmarias lhe foram concedidas aos 21 de março de 1703.

Link para visualização da Sesmaria com o registro CE200125 na plataforma SILB: Sesmarias do Império Luso-Brasileiro, referente à Bento Correia Lima e João Dantas Aranha:
http://www.silb.cchla.ufrn.br/sesmaria/CE%200125

Bento e Aranha residiram em Goiana, Pernambuco, sendo apontado Bento Correia Lima como primeiro povoador no Riacho dos Porcos.

É estranhável que o historiador Irineu Pinheiro não tenha feito referências a esses fatos no seu livro “O Cariri”, em cuja página 13, apoiado em Antônio Bezerra, atribui o descobrimento do Cariri em 1702.

Verifica-se, pelo exposto, que as terras de Brejo Santo ocupam o primeiro lugar na descoberta e parcial povoamento do Cariri.

Tudo indica, porém que a área deste atual Município foi apenas e por muito tempo, um trecho de itinerário dos povoadores desta região.

É curioso que as terras paradisíacas que caracterizavam aquela próspera cidade não tenham despertado o interesse dos precursores da colonização caririense. Por mais estranho que pareça, suas numerosas fontes inexauríveis, ao contrário do que se observa no desenvolvimento de outras regiões, não determinaram, de início, a formação de um grupo populacional.

Na realidade, o antigo sítio Brejo ficou á margem do povoamento do Cariri, na simples condição de zona de currais e ponto de passagem obrigatória dos que se dirigiam à famosa região caririense, cujos caminhos de acesso, partindo da antiga fazenda Vila Bela, hoje Serra Talhada, e da povoação de Cabrobó, localidades pernambucanas, que convergiam e se fundiam nas alturas de Jati (outrora Macapá), passando, o primeiro, por São José do Belmonte, e o segundo, por Salgueiro.

Desse ponto de fusão, rumava-se para Jardim e terra dos atuais municípios de Porteiras, Brejo Santo, Milagres, Mauriti e Missão Velha. Eram as estradas Vila Bela-Cariri e Cabrobó-Cariri.
Sesmaria com o registro CE200784 na plataforma SILB: Sesmarias do Império Luso-Brasileiro, referente a Antônio Mendes Lobato e Lira, de 24 de janeiro de 1714, constando o nome “Maria Barbosa”.

Maria Barbosa: Mito uma ova!
Em torno de quem teria sido o primeiro habitante de Brejo Santo, subsiste uma tradição oral e escrita com mais de dois séculos, segundo a qual, foi Dona Maria Barbosa a primeira proprietária de terras nessa região.

Figura de lenda, Maria Barbosa é apontada como baiana, viúva, mãe de dois varões, dona de fazendas em Porteiras e residente na Bahia. Dali nunca saíra, ao que se diz. Sua fazenda Brejo seria gerida por um dos filhos. A própria tradição é omissa nesta particularidade.

Embora não existam documentos que atestem a veracidade da tradição oral, o nome da discutida fazendeira ficou vinculado a terra. De fato, “Brejo da Barbosa” foi o nome que substituiu “Fazenda Brejo” ou “Sítio Brejo” e precedeu o topônimo “Brejo dos Santos”, penúltima denominação do atual Município.

Não é vaga, portanto, a denominação Brejo da Barbosa, cujo nome está autenticado na Sesmaria pela qual o alagoano tenente-coronel Antônio Mendes Lobato e Lira adquiriu terras naquela região, aos 24 de janeiro de 1714.

Link para visualização da Sesmaria com o registro CE200784 na plataforma SILB: Sesmarias do Império Luso-Brasileiro, referente a Antônio Mendes Lobato e Lira:
http://www.silb.cchla.ufrn.br/sesmaria/CE%200784

Para corroborarem esta assertiva, aqui estão informações elucidativas colhidas no arquivo do Historiador Padre Antônio Gomes de Araújo:

1 – Numa escritura de compra e venda em que Nicodemos Lins & Cia., adquiriram uma serventia d’água do sítio Brejo, que fora outrora de Maria Rita e, por esta, herdada de seus pais, Pedro Escobar e Rita Pereira Lima, filha de João Pereira Lima, lê-se “Brejo da Barbosa”. O certificado de escritura dos posseiros Lima foi requerido no Cartório de Jardim, em 1909. Tudo consta no inventário de João Pereira Lima, existente no referido cartório, sendo tabelião Lúcio de Sá Barreto.

2 – A denominação “Brejo da Barbosa” está mencionada em 11 (onze) escrituras de compra e venda a favor de José Jacinto de Araújo, atual proprietário do Sítio Nascença.

É provável que a velha crônica sobre a viúva baiana tenha sido deturpada pelas gerações passadas. Jamais, porém, foi inventada.

O que está definitivamente fora de dúvida é a existência de um posseiro anterior ao tenente coronel Antônio Mendes Lobato e Lira nas terras adquiridas pelo mesmo, isto é, no “Brejo da Barbosa”, cujo proprietário outro não seria senão a viúva Maria Barbosa de que fala a tradição.

Portanto, até que provas documentais digam o contrário, a primeira proprietária de terras no atual município de Brejo Santo foi a viúva baiana Maria Barbosa.

De acordo com a tradição, Maria Barbosa nunca residiu na sua fazenda (ou sítio) Brejo. Tendo dois filhos varões, é claro que pelo menos um deles tenha vindo ao Brejo quando da aquisição da propriedade, ou, porventura, ali tenha residido nos primeiros tempos.

Desse modo, não se pode apontar o primeiro indivíduo que habitou a região, que poderia ter sido um feitor da fazenda em apreço.

A tradição não menciona a época em que se acostou aquelas terras o seu primeiro habitante. Sendo absolutamente certo que o fato aconteceu antes de 1714, atribui-se que o evento se verificou no limiar do século 18, sendo historicamente certo que o povoamento de Brejo Santo começou simultaneamente no atual sítio Nascença e na região do atual distrito do Poço.

O Poço do Pau, por motivo de ordem geográfica, não se desenvolveu. O estabelecimento da estrada dos boiadeiros, que partindo de Vila Bela para o Cariri passava no pátio da fazenda Nascença, distanciou-se da nova rota dos povoadores da região caririense.

Num documento muito antigo, figura o nome de um dos primeiros barões feudais, cujos domínios se estendiam àquelas paragens. Trata-se do testamento de Matias de Lima Taveira, lavrado no sítio Tabocas, aos 17 dias do mês de agosto de 1750, pelo qual se vê que o testador possuía terras no “Poço”, “Cana Braba” e “Cana Brabinha”.

Outro opulento possuidor de terras no atual distrito do Poço, depois de Taveira, foi o capitão Bartolomeu Martins de Morais, cidadão português, casado com Ana Maria Ferreira, tronco dos Martins de Morais. Suas fazendas de gado vacum e cavalar estavam situadas no Poço, Porteiras, Pilar e Riachão.

Logicamente, ao antigo Brejo da Barbosa estava reservado o papel de embrião social da atual cidade de Brejo Santo.

O Brejo é Isso!

Bruno Yacub Sampaio Cabral
Pesquisador

Fonte Bibliográfica:

- Silva, Otacílio Anselmo e, Esboço Histórico do Município de Brejo Santo, em Itaytera, ano 2, n° 2, 1956, Crato, Ceará;

- Sobrinho, Thomas Pompeu de Souza Brasil – História do Ceará, Monografia n°4, Protohistória do Ceará, Coleção Instituto do Ceará, editora Instituto do Ceará, 1946;

- Ministério dos Transportes, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, Diretoria de Planejamento e Pesquisa, Coordenação Geral de Meio Ambiente, Estudo de Impacto Ambiental da ferrovia Transnordestina, Tomo IV B 

– Diagnóstico Ambiental – Patrimônio Arqueológico, Histórico e Cultural, pág. 51;

- Datas de Sesmarias, Vol. 10, Fortaleza, Ceará;

- Santos, João Brígido dos, Ceará – Homens e Fatos, 1919;

- Araújo, Historiador padre Antônio Gomes de, A Bahia nas Raízes do Cariri, em Itaytera, ano 1, n°1, 1955, Crato, Ceará;

- Testamento do capitão Matias de Lima Taveira, 1750, Cartório de Noêmi Jácome de Carvalho, Missão Velha, Ceará;

- Saint-Adolphe, J.C.R. Milliet de, Dicionário Geográfico, Topográfico e Histórico do Império do Brasil, T.II, pág. 6, 1845, Paris, França;

- Plataforma S.I.L.B: Sesmarias do Império Luso-Brasileiro, 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal do Pará, Universidade de São Paulo e Universidade Federal da Bahia, http://www.silb.cchla.ufrn.br/

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