sexta-feira, 29 de julho de 2022

‘O nosso objetivo diário é que os pacientes vivam! Independente das limitações do câncer’, diz a médica Bruna Salviano

 

A médica Brejo-santense Bruna Salviano é oncologista pediátrica do Hospital do Câncer de Franca e em entrevista ao site Verdade On relata histórias emocionantes.


Desde março de 2020, a oncologista pediátrica Bruna Bezerra Salviano compõe a equipe do Hospital do Câncer – Grupo Santa Casa de Franca. Aos 36 anos, a jovem médica é daquelas profissionais que, dentro do possível, ajudam a tornar a caminhada do tratamento contra o câncer diagnosticado em plena infância ou adolescência menos traumática, mais humana.


Bruna nasceu em Brejo Santo, no Ceará, e também se formou no mesmo Estado, em Juazeiro do Norte, no ano de 2010. Ela tem especialização em Pediatria pelo SUS Bahia (2012) e Oncologia Pediátrica pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (2020) e, há dois anos e quatro meses, traz toda a sua experiência para os atendimentos no Hospital do Câncer de Franca. 


A Doutora Bruna, com apoio do diretor técnico da instituição, Laurence Dias de Oliveira, e a equipe do Grupo Santa Casa, tem iluminado a trajetória de quem precisa de atendimento no HC. Uma das iniciativas mais marcantes é que todo paciente que termina o tratamento, ganha uma festa temática, com seu personagem favorito, patrocinada por ela. “Virou uma “mini festa”, como um segundo aniversário”, comenta a médica.


Nesta entrevista ao Verdade, Bruna relata como foi a escolha pela medicina e a oncologia pediátrica, histórias marcantes dos pacientes, como lidar com perdas e a importância do diagnóstico precoce. “Acredito que a melhor forma de lidar com a oncologia, independente do resultado final do tratamento, é tendo a certeza internamente que fizemos o melhor por cada paciente e sua família, técnica e humanamente.”


Dra. Bruna, para começarmos, gostaria que você falasse como surgiu o interesse pela medicina? 


Lembro de querer ser médica desde quando entendi, ainda criança, o que era uma profissão. Cresci dizendo que queria ser pediatra.



Como foi a escolha pela área de oncologia pediátrica? 


Meu primeiro contato com a oncologia aconteceu durante a faculdade. Me encantei ao cursar a disciplina em 2008 e foi de fato um encontro com algo que parecia já fazer parte de mim. Durante a residência médica em pediatria, conheci mais sobre o universo da oncologia pediátrica. Os 5 anos em que trabalhei com a pediatria geral me prepararam – emocional e profissionalmente – para ingressar na oncologia.


Quais os principais desafios de atuar nesta especialidade? 


Os desafios são diários, como em todas as outras profissões. Mas acredito que, no âmbito pessoal, o mais desafiador foi ser capaz de atravessar a minha própria dor para conseguir cuidar da dor dos outros. Em agosto de 2012, a minha madrinha faleceu após 4 anos e meio tratando um câncer. Foi um momento muito difícil para a minha família. Eu estava no final da residência de pediatria e precisei de um tempo para viver essa dor. Penso que nada acontece por acaso, então esses anos me trouxeram maturidade e segurança à minha escolha. 


Como lidar com as perdas? 


Não há uma fórmula ou uma receita descrita na literatura. Cada criança, cada história nos marca para a vida inteira. Acredito que a melhor forma de lidar com a oncologia, independente do resultado final do tratamento, é tendo a certeza internamente que fizemos o melhor por cada paciente e sua família, técnica e humanamente.


Desde quando está no Hospital do Câncer de Franca e como surgiu essa oportunidade? 


Desde março de 2020. Após a saída da oncologista que trabalhava no serviço, o Dr Laurence me encontrou, através do presidente na época da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica, Dr Cláudio Galvão, o qual tive a honra de ter como chefe.


O que destaca do trabalho realizado na instituição? 


O empenho do Grupo Santa Casa e o trabalho incansável do Dr Laurence, diretor técnico do Hospital do Câncer, na busca de sempre oferecer o melhor tratamento possível para as crianças. Outro destaque, na minha opinião, é a preocupação com a melhoria estrutural para proporcionar mais conforto durante o tratamento e a valorização da humanização da equipe multidisciplinar. 


Você realiza uma festa para todo paciente que recebe alta médica do tratamento contra o câncer? Conte-nos um pouco mais sobre esse projeto. 


Foi algo que surgiu despretensiosamente e tornou-se uma prática ao término do tratamento na oncopediatria. O momento de tocar o sino foi sempre muito esperado pelos pacientes e familiares no Hospital do Câncer. Quando cheguei, as mães falavam muito sobre a ansiedade e a alegria relacionadas a esse marco. Ao conhecer melhor cada paciente, seus gostos, desenhos e cores favoritos, surgiu a ideia de personalizar o momento. Um bolo de unicórnio, decoração de fazenda, videogame, brigadeiros coloridos, bexigas diferentes, um detalhe carregado de amor para cada um deles. Virou uma “mini festa”, como um segundo aniversário.


Tem alguma festa mais marcante, alguma experiência que gostaria de compartilhar com a gente? 


Tivemos um momento muito especial que uniu o Dia das Crianças com o aniversário de um paciente. Ele faria 5 anos em outubro. Estava tratando uma segunda leucemia, internado por conta do tratamento na Santa Casa há algum tempo, muito grave clinicamente, quando relatou que gostaria de comemorar seu aniversário com “os amigos do hospital do câncer”. Ele deu detalhes de como seria a festa, como tema do bolo, decoração da mesa, docinhos preferidos, brincadeiras desejadas. Falei com a coordenação do Hospital do Câncer e o Dr Laurence, que prontamente se dispuseram a ajudar. Tivemos a presença de parceiros realizando pintura corporal, pula-pula, tudo como ele desejou, no lugar que ele sonhou e comemorando o Dia das Crianças junto com os outros pacientes, seus amigos. Um mês após a festa, ele faleceu, deixando em nós o grande presente dessa lembrança tão linda vivida. E é esse o nosso objetivo diário, que eles vivam! Independente das dificuldades e limitações relacionadas ao câncer e ao tratamento.


Dra Bruna, além da festa, sabemos que existem outras iniciativas exemplares conduzidas pelo Dr. Laurence e equipe do Grupo Santa Casa, na busca de humanizar o tratamento e promover a inclusão dos pacientes crianças e adolescentes. No seu ponto de vista, quais os benefícios desse projeto? 


Um grande benefício é sentir no Grupo Santa Casa, na equipe, uma grande família. Daquelas famílias agregadoras, onde a felicidade de um significa a de todos. Como por exemplo a comemoração do Natal, promovida através da parceria incrível da Dra Thaís Rubly, esposa do Dr Laurence, mostra o quanto realmente os laços familiares foram estendidos. Para as crianças, ter a presença do Papai Noel é sempre tão encantador, elas ficam extasiadas! Esses momentos também são cura.


No começo de julho, o Grupo Santa Casa, através do Hospital do Câncer, e parceiros promoveram uma tarde de culinária com os pacientes da ala infanto-juvenil. Você comentou sobre a importância desse passeio e de proporcionar momentos de convivência social a eles, cuidando da chamada ‘dor total’. Gostaria que falasse um pouco mais sobre isso para a gente, o que significa a chamada “dor total”. 


O conceito da dor total foi proposto pela Cicely Saunders, pioneira dos cuidados paliativos, na década de 60, e atribuiu à dor uma visão multidimensional, composta por todos os aspectos da vida do paciente (físicos, sociais, emocionais e espirituais). Atividades como a tarde de culinária mostram a visão do Grupo Santa Casa da importância desse cuidado amplo.


Dra Bruna, falando um pouco sobre a doença. Quais são os tipos mais comuns em crianças e adolescentes? 


As leucemias são o tipo mais frequente nessa faixa etária, seguidos pelos tumores de sistema nervoso central e os linfomas.


Pela sua experiência, é possível perceber que os casos de câncer aumentaram? 


Existe uma média anual no Brasil de cerca de 8.500 casos novos/ano, essa média é relativamente constante. O que observamos durante a pandemia em vários serviços foi a chegada de pacientes com doença mais avançada por atraso no diagnóstico, seja por demora na procura do atendimento por receio de exposição à Covid ou por demora no fluxo dos serviços de saúde até a suspeição clínica e posterior encaminhamento aos centros especializados.


Quais as principais causas e formas de prevenção? 


Diferentemente de alguns tipos dessa doença nos adultos, na oncopediatria não há ações preventivas. Isso ocorre porque a doença na maioria dos casos não apresenta fatores de risco modificáveis, estando relacionada a mutações celulares isoladas.


Os tratamentos evoluíram, é inegável esse avanço. As chances de cura também? 


Até a década de 70, a taxa de sobrevida era em torno de 50%. Atualmente, devido aos avanços no tratamento, aproximadamente 80% das crianças e adolescentes com câncer sobrevivem. Claro que essa estimativa varia de acordo com o tipo da doença e fatores como idade, extensão da doença, entre outros.


O que costuma ser determinante para o sucesso do tratamento? 


Sem dúvida, o principal fator determinante para o sucesso do tratamento é o diagnóstico precoce. Sabe-se que quanto antes o paciente é referenciado aos centros especializados da doença, maiores as chances de detectá-la em estágio inicial e, assim, aumentar a probabilidade da cura.


Que mensagem você gostaria de deixar para seus pacientes, seus pais e demais familiares? 


Gostaria de agradecer a todos os pacientes e familiares que estão ou estiveram conosco do Grupo Santa Casa de Franca dividindo esse momento desafiador que é o diagnóstico e o tratamento do câncer infanto-juvenil. Vocês nos ensinam, diariamente, que a vida é preciosa e que cada momento, cada olhar, cada abraço, cada palavra verdadeiramente importa. É muito valioso sentir que o amor que foi plantado e regado – nos que aqui estão e nos que já partiram – continuam presente. Em nome de todos, muito obrigada. Contem sempre comigo.


Mais alguma informação que gostaria de acrescentar? 


Acredito que é fundamental reiterar que o diagnóstico rápido e o início breve da terapia são fundamentais para a chance de cura. Diante disso, é importante que os pais e profissionais estejam sempre atentos aos sinais de alerta. São eles: palidez, hematomas, sangramentos, alterações oculares, linfonodos aumentados, perda de peso ou febre inexplicáveis, inchaço abdominal, dor de cabeça persistente, alteração de equilíbrio e dor óssea. Por fim, gostaria de lembrar da campanha do McDia Feliz que acontecerá no próximo 27 de agosto. A parceria com o Instituto Ronald McDonald permite melhorias estruturais que proporcionam mais humanização no tratamento. Por exemplo, as últimas campanhas tornaram possíveis a reforma do ambulatório de quimioterapia, a modernização da internação oncológica e a remodelação da brinquedoteca e da classe hospitalar. Contamos com o engajamento da sociedade francana e empresários da região para continuarmos aprimorando a assistência.






*Fonte: SITE VERDADE ON


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