segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Brejo Santo - 70 anos do desabamento da Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus

Aspecto da Igreja Matriz no ano de 1949. Fonte: IBGE

09 de dezembro de 1949

09 de dezembro de 2019


No final do ano de 1949 iniciava-se uma reforma na Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus para ampliação e adequação estética do Templo, que nessa época já tinha 85 anos, sendo o início de sua construção datada em dezembro de 1864. O Mestre de Obras contratado chamava-se Cícero e era de Juazeiro, e este, um experiente construtor de capelas e igrejas por todo o Cariri.

O Vigário da Paróquia era o padre Pedro Inácio Ribeiro desde 1930 e no final da década de 1940 foi acometido de hidropisia (barriga d'agua). Após esse infortúnio na vida do padre Pedro a artrite reumatoide acometeu o Sacerdote. As dificuldades começaram a aparecer, pois os seus movimentos estavam pouco a pouco sendo comprometidos. No final da década de 1940 ele já sentia a necessidade de um Vigário Cooperador para auxiliar nas tarefas ministeriais da Santa Igreja. O padre Luís Antônio dos Santos, natural de Lavras da Mangabeira, seria o segundo Padre que viria auxiliar o padre Pedro, ele atuou de 1949 a 1951.

Porteiras, nesse período, deixou de ser cidade, se tornando um Distrito dessa comuna, junto ao Poço e o São Felipe, como também sua Igreja Matriz e demais Capelas pertenciam à Paróquia do Sagrado Coração de Jesus.

Pois bem, por volta das cinco e meia da tarde do dia 09 de dezembro, uma sexta-feira, os operários estavam trabalhando nas colunas internas de sustentação da Igreja e inesperadamente, todo o telhado e paredes internas vieram abaixo. O barulho chamou logo à atenção de toda a cidade e o povo ficou em pânico. Fala-se que 10 pessoas foram atingidas no momento, sendo que um operário chamado Olávio, de 17 anos morreu no local e seu pai, mestre Antônio, morreu a caminho do hospital em Crato. Dentre os feridos achava-se o Sr. Misael Fernandes Pinheiro, coletor estadual da cidade, que estava visitando as obras no momento. Os feridos mais graves foram levados ao hospital em Crato.

Um fato inusitado desse fatídico episódio é que nesse mesmo dia estava pousado na cidade um avião da empresa Cimaipinto e o aviador Rolf Fehrlen, tomado o seu avião, foi a Juazeiro do Norte pedir auxílio médico para os acidentados, conforme afirma o jornal Correio de Juazeiro Independente e Noticioso, N° 48, de 11 de dezembro de 1949, pág. 6.

O desabamento da Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus foi noticiado em vários jornais: em Pernambuco (Diário de Pernambuco), São Paulo (Correio Paulistano) e na Capital da República na época: Rio de Janeiro (Gazeta de Notícias, Diário de Notícias e A Noite).

Sabe-se que em 1954 a Matriz ainda estava em obras e a população se recuperava do terrível episódio.

Segue a descrição inédita e na integra do desabamento da Matriz registrado no Livro de Tomo da Paróquia:

Dezembro de 1949. Inicia-se o mês com a festa de Nossa Senhora da Conceição na vila de Porteiras. Houve a distribuição dos fieis em cinco grupos correspondentes aos Santos cultuados na capela de Porteiras: Sagrado Coração de Jesus, Nossa Senhora da Conceição, São Vicente de Paulo, São José e Santa Teresinha do Menino Jesus. Esta festa de Nossa Senhora da Conceição da vila de Porteiras foi bem vista pelo povo e trouxe uma renda de Cr$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros) líquidos que o padre Luiz Antônio depositou na Cooperativa de Barbalha em benefício da capela de Porteiras. Foi celebrada a festa da Padroeira de Porteiras pelo padre Luiz Antônio que desta vez conseguiu resolver os rendimentos da festa para serem aplicados aos serviços que deveriam processar-se na capela. Neste mesmo tempo, encontra-se na sede da Paróquia o Revmo. Frei Juvêncio que vem substituir o padre Luiz por 10 dias, enquanto o padre Luiz vai visitar sua família.

Em 09 de dezembro de 1949, parte o padre Luiz Antônio para visitar sua família no município de Lavras e deixou em seu lugar o Revmo. frei Juvêncio, Sacerdote Franciscano do convento Otávio Bonfim, em Fortaleza. Neste mesmo dia, às 05 e meia da tarde a cidade de Brejo Santo foi abalada e atordoada com o maior sinistro que se poderia imaginar: Desabam de uma vez só todo o teto da parte da Matriz que se achava em construção, compreendendo o desabamento de toda a nave central e lateral direita, levando consigo as correspondentes paredes internas. O desmoronamento causou horroroso pânico em toda a cidade e não poderia ser para menos, visto que o estrondo se ouviu a grande distância e sabendo-se que além dos operários em exercício que poderiam ter ficados soterrados, outras pessoas das famílias locais que costumavam visitar o andamento do serviço, assim como outros curiosos, eram todos expostos sobre os escombros. A multidão em volta do Templo não sabia como solucionar os casos mais urgentes e pessoas gritavam e outras choravam. Terceiros tentavam penetrar no recinto, invadido pela poeira, em busca de entes queridos que não eram vistos fora do Templo e a confusão e o horror deu a impressão exata de um dia de juízo. Finalmente foram encontrados sob as ruínas vários feridos e um morto, para os quais foram tomadas as devidas providencias médicas. Como os operários eram quase todo de Juazeiro, o morto, jovem de 17 anos, por nome de Olávio, foi transportado para sua cidade de origem, e os feridos foram imediatamente levados para hospital de Crato, com exceção dos menos feridos em que aqui tinham famílias. O Sr. Mizael Fernandes, coletor estadual desta cidade, saiu também gravemente ferido, mas só foi transportado para o hospital vários dias depois.

Sabendo do ocorrido, de Juazeiro do Norte, volta o padre Luiz Antônio à Brejo Santo, mas encontrando os feridos em Missão Velha, foi hospitalizá-los em Crato. Na mesma noite de hospitalização, um dos mais feridos, que era o pai do que havia morrido, faleceu também no hospital. Era o senhor mestre Antônio, irmão de mestre Cícero, empreiteiro do trabalho da Matriz, o qual, mestre Antônio acompanhou o seu desditoso filho até a eternidade.

Comentários em torno do assunto

Para fazer comentários infundados sobre o assunto não faltaram interessados nos dias que se seguiram ao desabamento da Matriz de Brejo Santo. Muitos comentaristas começavam por descobrir as causas do desabamento que eram na maioria dos casos, causas cerebrinas e falsas que atingiam às vezes até as raias de superstições; depois comentavam o próprio ocorrido e tentavam às vezes analisar as suas mais remotas consequências. É de notar-se que alguns comentaristas gratuitos chegavam mesmo a lançar a pecha de culpabilidade sobre elementos que por força das circunstancias, se achavam realmente envolvidos no caso, mas que receberam o golpe do desabamento como desagradabilíssima surpresa que a qualquer um poderia vir como a estes veio à revelia da inocência e boa intenção. Para consolação dos responsáveis devemos assinalar, aqui, que todos os comentários, antes de ocorrer o sinistro, passaram, em silencio admirador e respeitoso, sob as arcadas da construção.

Antes de terminarmos essa nossa apreciação, devemos concordar com os seguintes pontos de vista:

a) A inexperiência dos orientadores da construção não podia nem devia, a conselho, mesmo por prudência, sobrepor-se aos conhecimentos reais ou pressupostos do técnico construtor, ainda que esta inexperiência possa e deva ser contada como fator de culpabilidade;

b) A imperícia do mestre construtor, que realmente prepondera sobre os demais fatores, pode ainda um pouco atenuada pela confiança que o mesmo depositava no material ordinário de que se servia e, outrossim, pela comprovada reta intenção e boa vontade do desditoso construtor;

c) O complexo de circunstâncias, causas atenuantes ou agravantes e outros fatores incógnitos que fizeram derruir o templo sagrado em construção, não pode e nem deve ser analisado em opiniões apresadas e indébitos que visam apenas sensacionalismo e somente pensam em solução simples e unilateral.

Na realidade, a Igreja estava em construção, e de fato desmoronou e a única solução que resta é levantá-la novamente sob pena de ficarmos sem Matriz. Rezemos, pois, para que o Sagrado Coração de Jesus nos dê força, coragem, confiança e entusiasmo para continuarmos a trabalhar pela grandeza de nossa fé e pelo brilhantismo de um novo templo à altura de nossos sentimentos religiosos. Vamos pra frente, com Deus e para Deus.

O Brejo é Isso!
Bruno Yacub Sampaio Cabral


Referências Bibliográficas:
- II Livro de Tombo da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, Brejo Santo – CE, págs. 72 e 73;
- Uchôa, Waldery; Anuário do Ceará; 1953/1954;
- Leite, Maria Santana; Memorial Padre Pedro Inácio Ribeiro, O Santo do Sertão, Uma Biografia; 2002; Brejo Santo, Ceará;
- Nóbrega, Fernando Maia da; Brejo Santo Sua História e Sua Gente; Imprensa Oficial do Ceará; Brejo Santo, 1981.

Jornais:
Ceará:
- Jornal de Juazeiro: Semanário Independente e Noticioso (Correio de Juazeiro), edição n° 48, de 11 de dezembro de 1949, pág 6;

Pernambuco:
- Jornal Diário de Pernambuco, edição n° 286, ano 125, de 13 de dezembro de 1949, pág. 2;

São Paulo:
- Jornal Correio Paulistano, edição n° 28.73, ano XCVI, de 13 de dezembro de 1949;

Rio de Janeiro:
- Jornal Diário de Notícias, edição n° 8326, ano XX, de 13 de dezembro de 1949;
- Jornal Gazeta de Notícias, edição n° 291, ano 74, de 13 de dezembro de 1949;
- Jornal A Noite, edição 13.356, ano XXXVIII, de 12 de dezembro de 1949.

Sítios Eletrônicos:

Depoimentos:
- Lucena, Francisco Leite de; em 08 de dezembro de 2019;
- Bezerra, Maria Auriluce Arrais; em 09 de dezembro de 2019.

Nenhum comentário:

Postar um comentário