terça-feira, 19 de novembro de 2019

OTACÍLIO ANSELMO E SILVA - 110 ANOS

Muitas dúvidas pairavam acerca da naturalidade de Otacílio. Alguns o davam, por certo, brejo-santense; outros, cratense; ouvimos, por fim, que se tratava de jatiense, o que nos foi confirmado em documento deixado pelo próprio autor, no seu discurso de posse no Instituto Cultural do Cariri:

“Com efeito, nasci e dei meus primeiros passos no antigo povoado de Macapá, hoje cidade de Jati, quando aquela pequena povoação, banhada pelo riacho dos Porcos e vizinha de Pernambuco, era parte integrante do Município de Jardim.”


Era o dia 09 de Dezembro de 1909. Cresceu e realizou seus primeiros estudos em Brejo Santo, onde o pai era um afamado boticário. A farmácia de João Anselmo e Silva era, com efeito, o reduto da intelectualidade daquela época, local onde o cidadão se mantinha informado do que acontecia no Cariri e no mundo. 

Contemporâneo de importantes acontecimentos históricos, Otacílio Anselmo foi um cronista do seu tempo e das memórias deixadas na infância de um menino sertanejo, do sul do Cariri.

Seguiu carreira militar, destacando-se na música, integrando a Banda de Música do 23º Batalhão de Caçadores, em Fortaleza. Ali,  foi colega de Luiz Gonzaga -  o Rei do Baião. Em 1935, fundou, na capital, o tradicional bloco carnavalesco Prova de Fogo.

De volta ao Cariri, como capitão reformado do Exército Brasileiro, ocupou a cadeira de n. 7 do Instituto Cultural do Cariri, onde passou a se dedicar ao estudo da História da região, contribuindo incansavelmente em publicações da Revista Itaytera. Nesta, em 1956, escreveu o Esboço Histórico do Município de Brejo Santo. Nele, remonta desde a ocupação dos índios Cariris; a chegada do homem branco, perpassando pelo cangaceirismo da era imperial até a ascensão do coronelismo, no início do século XX, configurando-se em um importante registro da história, não só do município, mas de toda a região. É, sem dúvida, o registro de maior relevância, até hoje, para a cidade. Todas as obras vindouras necessariamente passaram, e hão de passar, pelas anotações deixadas por Otacílio.

Narrando sua própria experiência, o autor escreveu, em 1957, a obra O Ceará e a Revolução de 30.

Sua obra mais importante, publicada em 1968, Padre Cícero: Mito e Realidade, demorou oito anos para ser concluída e é leitura obrigatória sobre a polêmica do famoso milagre envolvendo o líder religioso, além de como se deram determinadas relações políticas no Cariri daquele tempo. 

Otacílio discursa no lançamento da biografia Padre Cícero: Mito e Realidade (1968)

Nessa famosa biografia, panorama dos problemas sociais do sertão, latifúndio,  fé e banditismo,  o autor comunga do mesmo entendimento do historiador brejo-santense Padre Antônio Gomes de Araújo, autor de O Apostolado do Embuste (1956), obra contestadora do milagre de Juazeiro e acusadora dos responsáveis. 

Otacílio defende que o aludido milagre foi, na verdade, uma armação, um truque químico engendrado pelo professor José Marrocos, íntimo amigo do padre Cícero. A alarmada hóstia em sangue, na boca da beata Maria de Araújo seria, na verdade, uma mistura de amido, saliva e fenolftaleína, dissolvendo-se rubra, na língua.

Embora não seja uma obra definitiva sobre os acontecimentos – afinal, como ser definitivo em assunto que mexe tanto com a fé? -, o olhar de Otacílio sobre os acontecimentos trouxe um paradigma para que autores como Azarias Sobreira, Daniel Walker e Lira Neto, complementassem outras peças desse enigmático quebra-cabeças que é a figura desse líder religioso.

Em 1972, rememorando histórias do velho sul do Cariri, o autor publica na Revista Itaytera, A Tragédia de Guaribas (1972), texto de profundo cuidado histórico, em que explora a política, o banditismo, o cangaceirismo e as feições do ineficiente Estado, que culminam com a morte do famoso Chico Chicote, em sua fazenda Guaribas, no ano de 1927, quando cerca de 300 homens, compostos pela polícia de três estados, reuniram-se para dar cabo do poderoso coronel.

Otacílio Anselmo faleceu em 08 de janeiro de 1982. Está sepultado no Cemitério da Paz, em Fortaleza

Hérlon Fernandes Gomes

P.S.: Salvo engano, o Poder Legislativo de Brejo Santo carece de prestar merecida homenagem a Otacílio Anselmo. Não conheço nenhum nome de logradouro, ou biblioteca, algo que valha a inscrição de tão importante pessoa para nossa História.

Agradecimentos a Bruno Yacub e Antônio Marrocos Anselmo, neto de Otacílio Anselmo.

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