segunda-feira, 5 de março de 2018

Cirurgia inédita no Ceará reimplanta quatro dedos de metalúrgico

A casa do metalúrgico e da costureira, na comunidade Jabuti (entre Fortaleza e Eusébio, Região Metropolitana), ainda está por terminar. Francisco Nogueira Maia Júnior, 37 anos, olha as paredes de tijolo comum com vontade de voltar a trabalhar na construção civil. Escorada em um canto desse olhar saudoso, Antônia Magna Barros Correia, 36 anos, preenche a esperança do companheiro com afirmações de que vai dar tudo certo, se Deus quiser, o pior já passou.
O pior foi no dia 23 de janeiro deste ano, por volta das sete e meia da manhã. Júnior, como é conhecido, iniciava o expediente na máquina de dobrar ferro e, “na primeira peça”, ele conta, “a mão ficou presa entre a máquina e a peça”. Sentiu mais raiva, “pelo descuido”, que dor. O tempo se embaralhou em susto, sonho, pesadelo: “Aquele segundozinho foi o susto. Depois, mais um segundo, um sonho, um pesadelo. Quando olhei ao redor, estavam meus colegas de trabalho. Não, não foi um sonho. Aí, olhei pra mão”. Restava o polegar; os outros quatro dedos da mão esquerda ficaram na máquina, com parte da luva e do pó de ferro.
Levado pelo técnico de segurança do trabalho da empresa, Júnior recebeu os primeiros socorros no Instituto Doutor José Frota (IJF), hospital público que atende a casos de alta complexidade. “Estava chovendo, trânsito fechado. Não lembro a hora que chegamos. Foi de oito e meia pra nove horas”, atravessava o tempo; a mão enfaixada com gaze e os dedos, na luva, transportados em um saco com água e gelo.
A triagem foi rápida, feito a vida que “passava na mente”. Depois, o assombro da moça do raio-X quando desenrolou a gaze. O pensamento do que não poderia mais fazer. A sala de curativos e gente de todo jeito. “Entrei, e o cara (médico) disse: ‘É uma pequena cirurgia’”, reproduz Júnior. Só pontear para fechar a lesão e ir para casa, o médico teria simplificado. O técnico de segurança lhe mostrou os dedos amputados, reconstitui Júnior, mas o médico teria reafirmado: “Não, pode jogar fora, no lixo”.
O reimplante múltiplo foi realizado no Hospital São Carlos em cerca de 15 horas, do meio da tarde ao amanhecer seguinte. Foi pago pela empresa, informa o metalúrgico: R$ 10 mil, por dedo, mais, pelo menos, R$ 16 mil (custos hospitalares para cada oito horas de cirurgia).
O metalúrgico considera que não terá a força de antes na mão esquerda. A rotina – dele mesmo fazer o café, botar o lixo fora, preparar o churrasquinho para ter uma renda extra – também mudou. Talvez ele próprio não possa terminar a casa, como era de gosto. Mas, ao recuperarem os dedos do lixo e as possibilidades da mão, também salvaram, para Júnior, outras chances, pensamentos e sentimentos. “Nunca tive tempo de estudar, depois que constituí família. Agora, tô vendo isso”, ele inclui nos dias seguintes. (O POVO)

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